sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Pablo Neruda


É assim que te quero, amor,

assim, amor, é que eu gosto de ti,

tal como te vestes

e como arranjas

os cabelos e como

a tua boca sorri,

ágil como a água

da fonte sobre as pedras puras,

é assim que te quero, amada,

Ao pão não peço que me ensine,

mas antes que não me falte

em cada dia que passa.

Da luz nada sei, nem donde

vem nem para onde vai,

apenas quero que a luz alumie,

e também não peço à noite explicações,

espero-a e envolve-me,

e assim tu pão e luz

e sombra és.

Chegastes à minha vida

com o que trazias,

feita

de luz e pão e sombra, eu te esperava,

e é assim que preciso de ti,

assim que te amo,

e os que amanhã quiserem ouvir

o que não lhes direi, que o leiam aqui

e retrocedam hoje porque é cedo

para tais argumentos.

Amanhã dar-lhes-emos apena

suma folha da árvore do nosso amor, uma folha

que há-de cair sobre a terra

como se a tivessem produzido os nosso lábios,

como um beijo caído

das nossas alturas invencíveis

para mostrar o fogo e a ternura

de um amor verdadeiro.



Pablo Neruda

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Asas do desejo


Numa arranca do meu coração,
mora o pássaro do desejo...
Quando dei bem por ti, meu amor...
tinha flores a nascerem-me nos olhos,
saía música da minha boca,
e conseguia voar!
Agora que ele despertou,
vou deixá-lo levar-me nessa melodia
e conhecer melhor o céu...

Voar nas asas do desejo...
Rita

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Gozo II


Desvia o mar a rota

do calor

e cede a areia ao peso

desta rocha

Que ao corpo grosso

do sol

do meu corpo

abro-lhe baixo a fenda de uma porta

e logo o ventre se curva

e adormece

e logo as mãos se fecham

e encaminham

e logo a boca rasga

e entontece

nos meus flancos

a faca e a frescura

daquilo que se abre e desfalece

enquanto tece o espasmo o seu disfarce

e uso do gozo

sua melhor parte


Maria Teresa Horta

terça-feira, 27 de outubro de 2009

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Poema à mãe

"No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha - queres ouvir-me? -
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;
Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo as rosas.

Boa noite.
Eu vou com as aves."

Eugénio de Andrade

Canção

"Pus o meu sonho num navio

e o navio em cima do mar;

- depois, abri o mar com as mãos,

para o meu sonho naufragar.


Minhas mãos ainda estão molhadas

do azul das ondas entreabertas,

e a cor que escorre de meus dedos

colore as areias desertas.


O vento vem vindo de longe,

a noite se curva de frio;

debaixo da água vai morrendo

meu sonho, dentro de um navio...


Chorarei quanto for preciso,

para fazer com que o mar cresça,

e o meu navio chegue ao fundo

e o meu sonho desapareça.


Depois, tudo estará perfeito;

praia lisa, águas ordenadas,

meus olhos secos como pedras

e as minhas duas mãos quebradas."


Cecília Meireles

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Acordei a precisar de Amor e de Saudade


Amanhece.

Abrir-me para a janela em frente, é o meu primeiro cigarro.
Levo comigo o retrato numa moldura apertada contra o peito.
Sei que também queres este nosso momento.
Queremos ambos este beijo.
Cedo, os sentidos acordaram e levitaram no meu quarto.
Vou usá-los no monólogo de hoje e abafar o silêncio.
Falo contigo no passado, que é quando ainda te lembro.

O passado é surdo e que importa isso?

Já começou, sim, já.
Acordei a precisar de amor e de saudade.
Por isso, vou usar-te apenas mais hoje.
Se o fazes, não sei, nem isso importa, usa-me.
Podes usar-me sempre, mas só para ti.
Escutas a música que aí vem? Abraça-me ainda.
É a nossa música e a nossa voz.
Aposto que consegues lembrar-te do meu sorriso.
Isso...não tenhas pressa em me esquecer.
Lembras-te do meu sorriso?
Então fica, não vás embora já, eternamente.
Vive comigo. Só eu sei das tuas mãos...
Deixa-me abraçar-te para a janela em frente.
Ouve o momento e o eco do momento...
Ouve-nos no meio destas paredes.
Olha, lá vão as palavras no silêncio...
Bebe-me e ao vinho, como fazias.
Fala comigo. Afaga os meus cabelos, sente o molhado do meu calor.
Consegues escutar o prazer que eu te digo nestas palavras? É a sério.
Este amanhecer é nosso.
Como poderia deixar-te passar...
Não, hoje não!
Vens comigo até acabar.
Quando? Quando não sei...


Rita

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Klimt

Não, não é cansaço...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Álvaro de Campos

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Significado



Havia um homem na rua a distribuir pequenos pedaços de papel.
Era uma tarde de chuva, era Outono.
Vestia preto, tinha um chapéu e os olhos pintados de negro.
Era um homem bonito sem ser bonito, era diferente.
Fiquei naquele canto a observar…estava intrigada.
Fumava cigarros e ele distribuía papéis.
Tinha os dedos compridos e as unhas bem tratadas.
Gosto de mãos. Gostei das mãos dele. Grandes.
Simpatizei com aquele homem.
Quem seria, o que pretendia, porque fazia aquilo?
As pessoas que passavam pisavam os papéis como pisam pedras.
Era um homem na rua a distribuir palavras.
Palavras. Uma por cada papel.
Aproximei-me…
O nosso olhar cruzou-se (mero acaso?)...
Ele, olhou bem fundo nos meus olhos.
E a palavra?
O meu pedaço…estava em branco.
Sorrimos um para o outro.
Eu percebi e ele percebeu.
Não há palavra. Apenas branco.
Significado.

Rita

...


"Entro no teu espaço invadido de cores e uma cidade espera-me sobre o cavalete, vermelha e luminosa, como de descoberta. Os teus olhos acendem um soluço. Palavras tensas de solidão e aventura. Qual o caminho que conduz à vertigem, à construção? Qual o medo? Na sombra dos segredos cresce uma água indefinida, de mansa loucura. A crispação do silêncio escorrrega sobre o corpo. A tua muda interrogação. De noites sobre areias interditas, violadas, a tactear a exacta dimensão da brisa nos cabelos, nos interstícios mais secretos da esperança. Uma mulher ergue-se vitoriosa e jubilante dos teus dedos em fúria. Rosto de sensualidade quase animal, onde aflora o desespero maior. O teu gemido diz mãe. Ou limpidez. O teu grito vibrante contra as encostas do conflito abre brechas na angústia, entornando cores, reduzindo sonhos, azuis de horas quebradas, cinzentos de embriaguês, brancos de ausências ou fugas verticais. Entro no teu espaço de sombras e relevos. Vejo-te deusa da dor mais solitária. Da promessa. Um dia, penetrarás na cidade imóvel sobre a tela e o teu rosto será o vermelho intenso da conquista."

Maria Graciete Besse

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Bicho



















Não tenho mesmo vontade de viver este presente.
Porque doi, porque faz suar, dar saltos na cama com dores, enlouquecer.
É duro, crú demais, realmente intenso, forte.
Devia pertencer ao passado, nem sequer pertencer.

Preciso de ir.

Preciso de ver, saber, ser, sentir, dançar...
Tenho pressa.
Pressa em ter paz, no corpo e na alma.
Quero deitar-me na cama só comigo.
Sei que este bicho demora a morrer, sempre soube.
Tenho de o deixar definhar, à fome, dentro de mim.
Ele é feroz.
Está aprisionado e com fome... luta para resistir.
Onde acaba ele e começo eu?
A luta é grande.
Isto é difícil, desgasta, é triste e cansa...estou tão cansada.
Exausta, transpirada, magra, branca.
Queria estar sózinha...um bocadinho.
Mas, ele não deixa.
Não me deixa.

Rita

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O pesadelo



Fizeram uma cicatriz no ventre dos sonhos, fizeram…
Agora a princesa não consegue sorrir, a floresta mágica perdeu o encanto e as doces flores murcharam no teu quarto.
Há uma espécie de desassossego no intervalo das horas e pegadas que resistem ao tempo e por isso se tornam vivas.
A sétima onda veio e desabou o castelo.
Mas pintaram-me um quadro com um mar tão sereno que acreditei no arco-íris por confiar no pintor, ingénua…
Foi a onda, não foi o mar, felizmente mesmo assim.
As estrelas, estão bem mais longe do que alguma vez estiveram para nós.
Os gestos ficam presos nessa noite por muito tempo, repetem-se e doem-te.
Como explicar-te que o que passou não volta a vir?
O teatro era alegre mas o filme triste, agora sei…(sei tarde).
Fizeram-te perder assim pequenina e eu não consigo achar-te…a sorrir.
Onde está o verdadeiro sentido das coisas?!
Porque comes o chocolate doce que te dou e te sabe a amargo querida?
Porque não é mais o meu colo a tua casa?
Entrou no sonho, no teu e depois no meu, não pediu licença.
A sombra que ficou é maior que ele e tens medo (ele é tão grande)!
Em segredo, eu também tenho medo. Muito medo.
Procuro com que o sol te aqueça com os meus braços.
Estou a virar o que conseguir no mundo a teu favor, vou refazer a linha, emendar a estrada agora firme, não a corda.
Juro.

Preciso de ti princesa.

Rita

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

(...)



“Se um dia, por qualquer motivo, Achares que o teu viver ficou vazio de sonhos, Abre a janela do teu quarto, Ajeita num vaso, com graça, as flores da tua infância, Mesmo que elas sejam imaginárias. Deita-te para sonhar na noite desse dia, Mesmo que não tenha anoitecido ainda, E imagina no céu estrelado a lua do teu encantamento. Busca nas tuas lembranças os sabores, os odores, Os contos de fadas e os príncipes, Que te encantaram quando menina, E adormece pensando que irás nascer novamente. Quando acordares, Antes de o tempo fluir do passado até o momento, Antes que a razão te diga que foi uma mentira, Olha-te no espelho, Descobre no teu rosto o olhar de uma criança, E terás então, olhos nos olhos, a verdade... A única que nos acompanha por toda vida, Independente da nossa vontade.”


António Miranda Fernandes

A pressa

Vem mergulhar em mim meu amor. Escuta a melodia da sereia e o bater das ondas que se arrasta... É para mim urgente a tua entrega e não há mais tempo a perder.
Tenho uma certa pressa em ter-te assim devagar, é que não aguento mais a distância do teu abraço sentido. Fecha os teus lindos olhos e vem deliciar-te por inteiro, nesta água doce de que sou feita e fá-la assim transbordar... Afaga gentilmente os meus cabelos, sente o quanto o meu corpo e a minha alma te desejam. Este mar é todo teu. Sabes disso...

Rita

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Abraço



Na noite que entretanto cai
Depois do sol posto nos meus braços,
Cansado e a dormir profundamente
Penso em ti com calma e com doçura.
Nesse olhar …eu sinto que tenho tempo
E com esse tempo tenho lugar…
E em vez do sol apagado
Mas quente no meu regaço,
É a tua cabeça que eu afago
E quase o sol que eu abafo.
Leio na face o que te vai na alma
E escuto com o coração atento
O que a tua expressão não conta.
Interiorizo todos os gestos perdidos,
As palavras contidas,
As intenções travadas
E as lágrimas escondidas;
Absorvo tudo…saboreio.
Esgoto a tua presença ausente!
No dia que entretanto chega,
Depois do sol se levantar do meu regaço,
De mim,
Acordo e não te vejo…
E chega uma sensação gelada e triste
E o meu coração emudece.
E tristemente conformado se rende
Ao já habitual ser cansado e rouco,
Ao abandono, à ausência e à saudade.
Penso…
Novo dia virá,
Novo dia se porá.
Acalmo sem calma, coisa difícil essa…
Novo pôr-do-sol te trará…
Te trará fugaz,
Embora uns minutos apenas,
Embora delírio encantado,
Nos meus joelhos sentado.
O meu colo permanecerá sempre aqui.
Para ti mesmo que ausente.
Para ti.
Para o sol.
Para o abraço.

Rita

Mar(esia)


O mar és tu por mim adentro.
És infinito porém cabes na minha mão aberta.
Pareces distante porque és imenso.
Tu meu amor pertences ao mundo,
E eu sinto a vertigem quando estás perto...
Não quero um abraço eterno nem ter-te para sempre.
Quero um encontro breve na linha do horizonte.
Estarei lá, à hora marcada para te amar.
Depois...regressarei à minha praia para sentir a maresia. A maresia...
Rita

Cuidas?


Pega-me ao colo e deixa-me ser mais uma vez criança.
Nessa confiança que sinto em ti, deixa-me ser.
Abraça-me de frente para o sol e tira-me o medo.
Eu quero a pureza nua nos meus olhos reflectida pelo teu olhar.
Preciso que me digas que só existe o amor, a luz e o que é bom.
Conta-me o final feliz da nossa história interminável.
Brinca comigo para me poderes prometer tudo.
Segura-me nos teus braços fortes e não me percas nunca, porque eu não quero crescer.
Guarda-me assim pequenina.
Eu dou-te a minha inocência para que construas um castelo de areia junto ao mar...
Assim, quando vierem as ondas, podes pegar na minha mão e levar-me pra lá morar.
Ficas comigo?

Rita

Vem



Não deixes que o sorriso se afogue nos teus olhos doces.
Tu inspiras a paisagem com a tua frescura que transborda e dás-lhe cor.
És uma espécie de sol que desbrava o horizonte e me faz sede de águas cristalinas.
És a melodia que desperta a dança dos loucos amantes das dunas desertas.
O teu sabor perfumado embebeda-me de prazer e os teus gestos suaves possuem a força de mil cavalos a galope num campo de girassóis ao vento.
Deixa esse sorriso aquecer os meus dias turvos de cinzento e preto e colorir também estas minhas lágrimas que já não suporto.
Tudo em ti é precioso demais para a tristeza, para a melancolia teimosa dos dias ásperos.
Lança-te do precipício mais alto e não voes, vem antes esbarrar-te no meu eu, que tem urgência em te ter. Vem depressa, porque vamos sorrir juntos meu amor, sufocar o mundo cruel e fazer vingar o dom que ambos criámos...o dom do amor.

Rita